Só agora percebi o que
ontem à noite senti. Na presença das minhas almofadas e nos confins dos meus
devaneios desempenhava o papel de sonhador vago, quando me veio à baila um
antigo acordar enigmático.
Infantil ou não, com o
meu julgar nato, olhava a linha quebrada na tinta do tecto que me viu crescer e
num dia qualquer apareceu rachado pelo peso do tempo, tal e qual a face das
pessoas, compreendo eu agora.
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Naqueles dias, acordava
com um ar pórtico. Desobstruía-se rapidamente o amargo matinal e saltava da
cama cheio de vontade de tirar o pijama. O sol batia de chofre, tanto no quarto
como na varanda, mas eu queria era o ar das ruas, que com o sol a crescer
denunciava um dia periclitante para o mundo. Sim! Porque se por um lado sei
perfeitamente que nesses dias pinto tudo com cores airosas, também sei que
intimido a sua segurança.
Mas o que eu quero
registar, é o meu julgar pueril, porque se alguém já o sentiu, o que tenho a
certeza que sim, se o catalogou ou não, decerto não o fez assim.
Estava já na cama e algo
vinha do meu estômago vazio. Sabia que havia pessoas lá fora, umas à minha
espera e outras não. Sabia que aquele momento já me tinha ocorrido e sabia
também que se ficasse ali esparramado fartava-me e portanto tinha de me pôr em
andamento. Mas eu que sabia a hora de me levantar. Não havia caras esfumadas
pelos resíduos do sono à minha espera. O arejo do meu lar não permitia tais
odores, os gostos de vida eram tantos que nunca havia tempo para mórbidos
encantos.
Eu lá estava, na cama
quente a pensar naquela emoção. O que mais me intrigava era o porquê de não
sentir aquilo sempre. Tinha adormecido como de costume sem saber em que pensamento
tinha parado, no entanto, umas vezes acordava assim, luminoso, sonhador e
assombrado outras vezes cheio de sono, sem fome e até um nadinha irritado.
Como ninguém respondia,
olhava mais uma vez a linha quebrada na tinta do tecto. Aquele tecto que me viu
crescer e, como já disse, num dia qualquer apareceu rachado pelo peso do tempo.
É mesmo tal e qual a face das pessoas, compreendo ainda melhor agora.
Naqueles dias aquilo passava
mas mais cedo ou mais tarde voltava. Ontem também voltou, não havia o sol na
janela nem aquele tecto rachado que me viu crescer, mas haviam mais fendas
pequeninas na face duma pessoa que conheço.
Foi então que alguém
afirmou que a semana ia estar de sol, porque era altura do sol de São Martinho.
Emendei logo, com uma lembrança de alguém antigo:
- É o Verão de São
Martinho! A altura das fendas, iguais às que sempre sinto.
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