Há uma guerra secular
entre o sentir e o comportar. Nos negócios e no amor, os pensamentos passam
rápido e o sentir fica desimpedido. Os sentimentos, esses são desconexos e
deixam os mais versados perplexos.
O mundo cresce e os
tempos mudam. Ao chegar a casa já não há o jornal ao lado de meias rotas
remendadas. Acabaram os passeios escoltados pela meiguice ao pôr-do-sol,
acabaram as fagulhas a saltar seduzidas pelo tapete, acabaram as maçanetas
movidas por galanteria, preconizando suaves delicadezas antes de dormir.
Agora são outros tempos,
agora, nada disto tem valor. Já não há passeios no campo e visitas à família. Agora,
bebemos todos nas fontes de uns e de outros.
Com o ampliar das
relações e o acanhar das emoções surge o veneno do ciúme, o inferno dos
amatórios conservadores. Mas o casalinho lá vai insistindo nessa caduca forma de
amar, esforçando-se por gostar à moda antiga. Sem rosas nem serenatas, fazem
convénios com promessas e juras tentando mesclar castamente emoções de
telefonia com as pipocas perfídias no cinema estéreo.
Nos dias mais frios
acendo a lareira e estoiro pipocas. Consulto a prateleira de madeira que
reveste o meu peito e recordo emoções passadas. Não o faço todos os dias,
porque acompanho o rodar do mundo, mas há certas emoções que existiram e que me
agradam recordar.
Os fósforos estavam húmidos,
mas o meu coração apelava por um estranho sentir. Procurei um isqueiro, juntei
devidamente os paus velhos que recolho na serra e acendi a lareira.
O fogo começou a arder e
o seu calor a dizer:
Senti a tua falta e sem
saber porquê lembro-me de ti. A palavra falta é sinónimo do teu nome. Foram os
teus lábios que lançaram essa missiva
para o meu laboratório intelectual e depois de misturar esse princípio com os
excrementos dos meus vícios esfriei-os e esfaqueei-os a sangue frio.
Não sei se és mais um
vício, sem resíduos tóxicos, ou um vinho que alimenta a alma e não prejudica o
meu corpo. Não estou certo que assim seja. Sempre procurei essa embriaguez, mas
rapidamente o meu corpo reage e desliga o seu efeito.
Dizes que a falta é
benéfica e fico desordenado. Sinto-me um estoico
a lutar contra os meus desejos e não percebo o porquê de tanto alarido
sentimental. Qualquer tentativa de cravar neste papel o meu anseio por ti é como içar os pés
acima da cabeça. Custa, dói e arrepia o meu subtil receio de exploração dos
outros.
Transformo-me num misantropo e culpabilizo-te sem
nitidez. Culpabilizo o teu sorriso, culpabilizo os teus lábios e culpabilizo também
esse teu jeito de me observar que criminosamente encobrem o teu interior.
Agradas-me sem eu querer
e constróis uma âncora árdua
que me crava a ti. Procuro incessantemente uma maré forte, de preferência sem
tempestade, para partir esses elos, mas é só para depois os soldar, ser eu a
ancorar-me a ti e não uma força invisível e efémera que não compreendo.
E o fogo apagou-se, suavemente
e sem subterfúgios, por falta
de passeios na encosta da minha querida serra.
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