Estranho o engodo dos proselitistas metafísicos, que
podendo escolher livremente o paraíso que apregoam seduzem os seus neófitos com promessas de existências
encantadas, mas sem nenhum interesse.
Não percebo tal
contradição. Existem tantos locais agradáveis, neste planeta enternecedor, e
estão desertos de todo sémen humano. Mares, terras, cascatas, paraísos divinos
oferecidos em panfletos vulgares, mas onde vejo milhões de carcaças humanas é
nas acumulações desordenadas de edifícios, onde se mostram altares e escondem
prostíbulos, recolhendo diariamente necessidades e dependências bem humanas.
Para uns nasceremos sem
discernimento, para outros espera-nos a convivência perpétua de um deus sentado
ao nosso lado, a olhar a esfera terrestre e a ouvir uma música lenta entoada
analogicamente numa total opulência castradora.
Quero os meus dias livres
de doutrinas enganosas com castigos posteriores. Nunca desejei sentar-me, um
minuto que seja, no lado destro de um imperador obcecado, a ver sorrisos
angélicos mixados com sons celestiais monocórdicos, e até hoje não encontrei eruditos nem rurais que proclamem tal
propósito.
E porque não rasgar os
receios da morte e com um pouco de realismo desejar uma vida com mais adorno? O
que importa se ao morrer vivemos outra vez ou não? Ao homem sempre foi negada
essa realidade. Convém é nunca deixar o nosso espólio contaminado com odores de
tristes vidas refreadas.
Os hábitos, os desejos e as
paixões são o deleite dos humanos. São o vinho do espírito. Um vinho de taberna
que no cálice do prior expele o seu cheiro nos altares da igreja, onde tudo
acaba por ser misturado com a tibieza de carácter.
Pouco a pouco, os
presbíteros criam desfechos de vida mais sagazes, para alegrar os estultos,
conservá-los agarrados a suposições mordazes e narcóticas. Para arrostarem a
gadanha, nas mórbidas mãos da companhia indesejada, e encararem de frente
aquele momento que antecede a queda do pano, neste palco teatral que nunca
devia de findar.
Recuso-me a cair nesta
chalaça. Não duvido que os receios, em toda a morte lenta, não se devem ao fim
desta vida de poeta, mas há descrença da existência de outra pela certa.
E se não há mais nada? E
se toda a minha contenção, em beber aquele vinho, não for recompensada?
Eu arisco arrisco tudo e vivo
zelosamente, depois se vier outra existência, preta ou branca, tanto me faz,
mas em cantigas de pássaros bem-falantes é que não caio, nem mesmo por distração.
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