Estrondeia o leão forte e majestoso. O rato já nem tanto,
anda sempre metido no seu buraco como se devesse algo a alguém. Tem a ideia que
não é gente e esconde-se sempre descontente.
E ambos assim vivem,
conformados com eles próprios, indiferentes aos rumores asseverantes de que nada
importa.
Esta é a realidade do
rato, se for preto claro, porque se for branco já é amado. Parece uma questão
de cor, mas não é. Está na natureza do seu meio. Preto, foge. Branco, mostra-te
na montra da avenida.
Numa metamorfose imaterial, o leão permuta
com o rato, branco ou preto tanto faz. Grande confusão no reino animal e na
montra da loja ao dobrar a esquina.
Eu parava para observar
um rato a mandar na selva e fugia ao ver um leão, no meu armário, à procura do
meu queijo.
Vejo em cidades, em vilas
e em aldeias combates de leões e sucessos inexplicáveis de ratos. Um leão ao
querer ser rato inala um aroma humano e alheio à natureza. Mas também não há
mal nenhum em ser um pequeno quadrúpede de cauda comprida e focinho bicudo.
A vida é como um balão cheio
de água, tanto encaixa na minha mão como na tua.
Algo, no nosso âmago, nos coloca em repouso e nos
desvia da necessidade. Eu tenho, tu tens, o inseto que ali está também tem e às
vezes parece que está no próprio ar entrelaçando-se em tudo com vivacidade e
encanto.
Encontro, no entanto,
pessoas intricadas por dentro.
Apagaram o seu estéril crepúsculo e transformaram o seu mundo numa cerimónia
fúnebre. São felinos a querer ser roedores ou roedores à procura do poder real.
O leão é impetuoso e se
quiser abafar isso, porque admira a humildade da gaivota, a submissão do vitelo
ou a presteza da enguia, perde força e confiança, oculta-se e desvanece-se,
porque a vida não sustenta destas manifestações desviadas.
Um ser impetuoso sabe lidar com isso porque
é a sua natureza.
Espero sempre um ratinho
feliz, mas pode ser gato, cão ou outro animal qualquer. Desprezar o que se é
desfalece aos poucos a vida, com dores de cabeça, de costas e de alma.
Continuo a encontrar
pessoas inimigas de si próprias. No palco do mundo calam a vingança e exaltam a
brandura para recolher a medalha pública do controlo do homem. Depois,
espezinhando a jactância,
descem desse pódio mundano forçando pensamentos glorificantes da sua humildade.
E perdem a fluidez. Abafam o seu interior, de tal forma, que a sua embarcação
perde o vigor, perde a paixão, e ninguém gosta de viajar num barco que depende
da maré ou de qualquer brisa ténue
para oscilar, para borbulhar, para alentar a sua existência.
Eu meto tudo no seu sítio
e quanto mais afastado estiverem, uns sentimentos na proa, outros na ré, mais
eu olho para cada lado e os vejo felizes porque são meus, amo-os e aceito-os a
todos.
Olha ali a incerteza e a prepotência a saltar de mão dada com
a empáfia.
Ouço o desleixo a gritar
com a responsabilidade. Ouço-os porque essas coisas estão cá dentro, mas nem
reparo de que lado o grito vem. Saltam tão alto, a reclamar em voz alta com o
megafone que ofereço a tudo o que tenho dentro, que sou impelido a olhar e a
obedecer sem delonga.
Vou embora. Tenho coisas
a fazer. Desleixo-me mais logo à noitinha.
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