Sinto por vezes algo de
humano, anotava eu, ao passar no meio dos outros sem reparar. Pergunto o que se
passa e nada, só vejo pernas a passar com pressa e olhares humedecidos cravados
no chão encharcado.
Reparo em esboços deste
mundo, quadros malfadados e de cores virulentas decorados com a retrógrada
ideia da perdição humana. Esquecem o céu que reflete todos os sorrisos humanos
e as nuvens brancas lançadas pelos poderosos sonhos dos ousados.
Critico tais pintores e
seus fãs. Este quadro não me agrada! Juntei algum dinheiro e comprei tintas
mais vivas. Depois, cravei os olhos no mundo e com o meu arredio feitio cobri
uma tela com um aspeto bem mais aprazível.
E porque sofrer também é
um prazer, mesmo sem se querer, utilizei umas cores de suspeita e outras de
malquerer. Ainda tive tempo, antes de me chamarem, de misturar outros tons
intrepidamente para realçar bem o rubor que enaltece o homem.
Usa-se tudo quando
pretendemos representar por traços e cores as vicissitudes humanas e só o
conseguimos sendo sempre nós próprios, sem dependências nem opressões de
ninguém. Assim podemos enaltecer a natureza humana, exprimir ideias sem
chatices e amar tudo e todos com todo o respeito que o amor merece.
Temos o que queremos e
queremos o que temos, mostram-nos o contrário para criar a ilusão de que o que
somos, o que temos e o que desejamos, é fruto dos outros ou é o que os outros
permitem.
Eu basto-me a mim
próprio. Tenho aquilo que quero e sinto o que me apetece e quando me apetece.
Insistem em não nos
deixar ver. Criam à nossa volta um clima de instabilidade para nos obrigar a
viver em comunidade, a engolir sapos de uns e sapos de outros e de cara alegre
porque os tempos são difíceis e há guerra a qualquer momento.
Criticam os meus quadros,
como se não tivesse o direito de me exprimir sem modelos de cores usuais e
pincéis de preconceitos. Chamam-me louco. Dizem que são cores a mais, mas
reparo que para amar o mundo só o conseguimos fazer se não dependermos dele.
Hoje pintei. Não com
óleos, telas e pastéis, mas com o suor dos meus olhos em teclas negras
desgastadas.
Com atenção e cautela na
elaboração de algo importante sinto uma inquietação de espírito. Um cuidado
minucioso, um estado de dúvida sobre a bondade ou ruindade das minhas ações.
Gosto desta delicadeza de carácter. Ser zeloso, carinhoso e reto. Sentir esse
melindre de suscetibilidade e por fim recear o pecado ou impiamente sentir a
dúvida da incerteza junto à suspeita da desconfiança.
Queria dizer-vos bem alto
o que sinto. Lançar-me como um cisne se lança no lago, mas temo os artifícios,
temo não ser suave, natural, temo não aceitar a água como ela é, temo que seja
pura demais, temo que não arrepie o meu coração.
Depois dizem que cerro os
olhos, os ouvidos e suicido o meu sentir. Eu respondo que não sou masoquista, embora sofra por vezes
não me habituarei a tal, esse vício jamais compactuará com a minha perdição.
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