Uma
mulher inteligente e outra sensual. A primeira, mais perigosa, instiga o meu
desejo de fugir, de correr como um gato intimidado e de permanecer oculto a
olhar com receio de me aproximar.
A
outra, imediata mas insossa a longo prazo, desperta em mim a cobiça do toque de
ainda hoje. Um ali à mão da minha mão para percorrer com o encanto da novidade
o seu corpo desafectado. Hoje, ainda hoje a poderei ver despida de si mesma,
com o ar nato de quem nasceu para amar. Minto, para ser amada.
A
lavar as mãos penso nisto e ao imaginar a contrariedade futura do fulgor sumido
encontro-me no desencanto de ser humano.
Volto
à perigosa, à ameaça do meu coração mal guarnecido, e imagino-me confrontado
com o seu olhar de juíza do bom sentir a indagar o meu oportunismo
concupiscente.
À
rapidez de um tufão olho a minha face ao espelho como se fosse a dela e replico
com um rigor intelectual que já me farta.
-
Tu não deves ser tão solerte, tão destro nesse teu fluir de espírito. Vais
sofrer tanto, aduzindo argumentos a ti próprio para fixar uma qualquer
ideologia.
Sabes,
sua fêmea enlevada, segui esse teu raciocínio e consegui um argumento próprio
de qualquer pessoa que se sinta.
Vazio!
Vazio nesta cabeça para limpar a confusão. Sentir que não posso exprimir estes
pensamentos, alcançar esta destreza de entendimento, reconhecer um discurso
presunçoso.
–
Não podes!
–
Ai não? – respigou outro actor ainda mais ágil na resposta – Há trezentos anos
a força física era um motivo de selecção social.
–
Tu não podes ser tão forte, tão poderoso e corpulento. O tabu da força passou
para o desembaraço de entendimento?
Mimalhos
não escapem à consonância social com estas demências. Pára, pára, estás a
enredar-te todo!
O
desenvolvimento da inteligência é igual ao das emoções, ao dos músculos
propagados para fora dos ossos e ao inevitável alastrar de todas as gerações.
Covilhã,
2004, Novembro 21
Duas
bicas no café Santa Maria e o primeiro tema na Chã Belicosa.
Quase pensei, embaciado, que me telefonavas
às dez e meia.
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