Há escritores que nos fazem mal, quando
aproveitamos o tempo perdido nas filas de atendimento público – por sarcasmo,
os panaceiros não têm remédio para este desgosto de funcionário – a ler livros
que fazem soltar risos escondidos do tédio das outras partes que estão na sala.
Das senhoras, principalmente das senhoras!
- Então o certificado não vem?
Privado, estava escrito em arial por cima
da porta que o Júlio jurava que conduzia à sala das pessoas escondidas do não
fazer nada.
A melhor empregada daquela secção saíra em
busca da assinatura do superior de serviço que não estava a tomar café. Exímia,
esta funcionária de cabelos lisos e beleza sem toilet a preencher-lhe a cara
toda, faz o trabalho de três.
Num dia abafado pelo dinheiro que escorria
das mãos dos estudantes, que como velhos resignados pela vida avassalada
esquecem o ensino “progressivamente gratuito a todos os níveis” do septuagésimo
quarto artigo da Constituição da República Portuguesa e o saldam nas universidades.
Públicas, mais as públicas!
O Júlio reparara nessa jovem sentada de
sorriso suave. Por detrás dos certificados de competência, passados aos
estudantes que por ali se demoram entre cinco a dez escorregados anos, essa
funcionária dá mostras de honrar a sua formação. E não é da novidade, que
engana todo o trabalhador descuidado, pois há quatro anos que o Júlio não
conhece este serviço sem ela. Sem ela nem sem o outro que sempre a acompanha
como a sombra de um sapato lançado de propósito – quase que lhe acerto – por um
miúdo pertinaz numa tarde de sol a pique.
- Não leve a mal, mas este exame está cheio
de erros!
O professor olhava o Júlio e o Júlio temia
que o professor se enfurecesse, que abrisse a sua boca de estrangeiro mal
inserido e o engolisse como uma tocha nas goelas de um malabarista.
O mestre inglês sorriu com argúcia e,
talvez por já ter duas filhas portuguesas, pediu ao Júlio que marcasse todos os
erros (treze) entre eles “número”. Número é uma palavra esdrúxula e por isso
leva acento como Júlio, selvático, enigmático e irónico; inóspito, bélico e
platónico ou também apático, angélico e um pouco antagónico.
- Veja lá se dá isto a alguém português
para corrigir que é uma vergonha para esta universidade. Então não vê que todas
elas levam assento na terceira sílaba (cá está outra) a contar do fim? Já agora
numeração só leva um til, ficou grave como o latido de um cão lançado contra a
lógica da programação.
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