Dois dias não é assim
tanto tempo. A minha personalidade sobrepõe-se acima do que sinto e para meu
conforto recolho-me no motivo que me leva a escrever.
Ser humano é ser complicado!
Uma sensação de
contentamento percorre-me frequentemente, imiscuída com a atração que tenho pela paragem do tempo. As
palavras saem devagar, as pernas cruzam e descruzam numa dança ao ritmo da
minha perseverança em escrever.
Não sinto o vate que tenho
dentro, mas procuro-o incessantemente com graça e distinção.
Por vezes experimento-me
fraco de ânimo, putativo ao
supor ser o que não sou. Fico assim ao ver as pessoas expressarem-se com tiques
superficiais de existência, fingindo sentimentos e virtudes que não têm. Eu
dessa gente quero distância. Distância daquele olhar eclesiástico a julgar
matéria não religiosa, daquele pensar preto, dizer branco e olhar amarelo
lançado pelo desgosto do bem alheio.
Está tudo ausente. Não sei se são os frutos do
catolicismo, do salazarismo passado ou da educação caduca. Tanta gente vulgar, com valores ultrapassados e retrógrados.
Tudo farta. Tudo causa náuseas e enjoa. O tempo nas coisas
salga-as em demasia, entrelaça-se nelas transformando-as sem precaução. As suas
propriedades mantêm-se, mas eu já não as sinto como outrora. Farto-me! Começo a
enfastiar-me e voltam para o paraíso de insignificância onde todas as coisas
vãs findam.
E as pessoas? Os amigos,
familiares, conhecidos e interessantes. O tempo salga-os também? Joga-os para o
mesmo destino? Não sei para onde
vão, mas muitos dos humanos que conheci ou com quem me cruzo diariamente são
gente vulgar, que como um punhado de sal temporal são lançadas para longe,
paraíso ou inferno quero lá saber.
Encontro por vezes
antigas e novas personagens, umas porque mudam, outras porque são mesmo gente,
preenchem-me, aquecem-me, alentam-me, e desdobram estes dedos que mantenho
fechados receando, por vezes, o assalto dos outros.
Uma alegria percorre-me.
É verdadeira, embora lá no fundo esteja presente que logo amanhã ou depois fujo
deste estado sóbrio.
Serei o mesmo? Ninguém
nota, só eu. Olhar límpido e um controlo exagerado. Ando, sento-me e volto a
andar, sempre consciente da minha posição. Não vagueio pelos rios das ideologias que quase sempre me
perseguem. Parece que não sou eu, grosseiro, frio e com um bom senso
detestável.
A consequência, a longo
prazo, desta lucidez é o ter
tudo. Consigo ter tudo e esse tudo torna-se insuficiente. Como? Não faço a
mínima ideia! Noto que ao ter tudo fico com a boca salgada e nem penso em beber
atulhado em tudo o que tenho.
Não quero ser um menino condescendente. Estou farto! Prefiro
abanar com a força da minha oratória
os princípios de vida dos outros há muito caducados. Acordá-los, quando não adormeço.
Hoje, amanhã e além vou
arrastando esta vida, como se ela me carregasse sem eu sentir. Expectativas?
Nenhuma, nem uma só. Detesto ver os dias passar como se não o fossem. Desejarei
um acontecimento futuro como um brinquedo que ofereço a mim mesmo, mas a
insignificância de tudo o que possa acontecer deixa-me um sabor de desalento e
nem um esforço faço para me iludir na sua importância.
Vem, quero que venhas,
mas se não vieres também não importa. A importância dos outros aumenta
proporcionalmente à diminuição de qualquer adicção.
Não quero voltar a
precisar dos outros como outrora, essa necessidade só aumenta em mim uma
ignávia desoladora.
Estou farto! Farto de dar
sem nada receber. Farto de ser usado por esta open source que sou e exprimido por outrem que adquire de mim tudo
o que quer.
Sou um falador. As vezes
pressinto que é impossível travar a palavras, mesmo percecionando a indiferença
dos outros.
Estúpido! Escreves isto
para ser lido. Para quê? Para me libertar do quê? Não será imanente o meu desejo de viver
embriagado. E o vinho, de tantos que conheço haverá algum que não prejudique o
corpo e alimente a alma? Há dizem! Mas onde? Procuro e não encontro! Tudo é insípido para os sentidos e sóbrio em demasia.
Não sei porquê, mas
comecei a amar de tal forma a vida que afasto a morte para depois dos oitenta.
É melhor escrever noventa.
Se não me perder, sei que
terei tudo, mas receio a insuficiência desse tudo.
Há insuficiência no tudo ou tudo na insuficiência?
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