Só agora percebi, enquanto espero o café e o copo de água, o que ontem senti enroscado antes de adormecer. Na presença de duas almofadas e nos confins dos meus devaneios desempenhava o papel de sonhador vago quando me veio à baila um antigo acordar enigmático. Infantil ou não com o meu julgar não nato esquadrinhava a linha quebrada na tinta do tecto que me viu crescer e num dia qualquer apareceu rachado pelo peso do tempo, tal e qual a face das pessoas compreendo eu agora.
O que eu quero registar é o meu julgar pueril porque se alguém já o sentiu, o que tenho a certeza que sim, se catalogou esta emoção decerto não o fez assim. Estava já na cama e algo vinha do meu estômago vazio. Sabia que havia pessoas lá fora, umas à minha espera e outras não, sabia que aquele momento já me tinha ocorrido e sabia também que se ficasse ali esparramado fartava-me e portanto tinha de me pôr em andamento.
Eu é que sabia a hora de me levantar, não haviam caras esfumadas pelos resíduos do sono à minha espera, o arejo do meu lar não permitia maus odores, os gostos de vida eram tantos que nunca havia tempo para mórbidos encantos.
Eu lá estava, a pensar naquela emoção, o que mais me intrigava era o porquê de não sentir aquilo sempre. Tinha adormecido como de costume sem saber em que pensamento tinha ficado, no entanto umas vezes acordava assim luminoso, sonhador e assombrado outras vezes cheio de sono, sem fome e até um nadinha irritado. Naqueles dias aquilo passava mas mais cedo ou mais tarde voltava. Ontem também voltou, não havia o sol na janela mas senti o mesmo sentimento antigo. E hoje percebi ao ouvir afirmar que a semana ia estar de sol porque era o sol de São Martinho. Emendei logo com uma lembrança de alguém antigo:
- É o Verão de São Martinho, a altura das fendas iguais às que sempre sinto.
Heleno Pinhal
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