Despertei com a obrigação
a alentar-me, como se o presente desejo fosse cumprir com todos os pedidos que
esta sociedade me faz. Uma lista enorme de marcações pontuais que posso quase
sempre desmarcar.
Hoje, o salto do meu
leito foi feito com um estranho desejo de seguir o dia direitinho. Não pensei
nos normais hábitos que mantinha na certeza de desassombrarem a minha vida,
seduzido por coisas boas, seduzido por pessoas e reduzido por amores, como é
normal no ser humano.
Empurrei tudo para o vácuo
mental que não sei onde fica, apesar de ser meu. Decidi, depois, acertar o meu
relógio ao compasso dos vizinhos ou dos trabalhadores que ruidosamente
arrebentam a minha rua para, tal como nas outras ruas vizinhas, colocarem a
passadeira de granito que está em todo o lado no centro histórico da Covilhã.
Escolho entre moer no meu
dia de ontem ou aprender com o de hoje. Organizo este dia, que pretendo, como
já disse, que seja um dia ao compasso dos trabalhadores da rua do fundo. Eles
trabalham tanto que fico sem jeito quando olho para eles debaixo do sol da
Beira Interior. Das oito da manhã às sete da noite metem o compressor à frente
da minha varanda do primeiro andar e lá permanece, até às doze, a dar força de
gigantes àqueles nobres trabalhadores que me fazem sentir pouco suado quando
passo por eles ofegante pelas subidas que nunca descansam. Depois, da uma às
sete, começa a mesma orquestra. Uma melodia que me mete a rua num primor.
Durante dez horas por dia, o compressor faz o fundo e o pneumático marca o
compasso. Que afinação! Umas vezes lá ao fundo, outras mais em cima, os trabalhadores
nem se sentem, apesar de os gostar de ouvir. Simplificam tanto a vida deles que
me complicam a minha.
Se o desleixo não me
enganar, ao fim do dia vou ter um gosto especial.
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