quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Associação Protectora da Beleza Humana – Incompleto Organismo de Heleno Pinhal


«Vais para a escolinha, vais? Só dás beijinhos às meninas.», «E às professoras», «Ah… Pode ser!», retruca o adulto revoltoso.
O miúdo, desejoso de ser homem, caminha de mão dada ao ser que o trouxe ao mundo. Nunca se sentiu desmotivado, não estabelece objectivos para si e portanto nada o impede de atingir o que deseja.
A fome de dar beijinhos à professora vem de dentro, ao contrário do adulto revoltado que não denuncia qualquer ânsia em depor os seus lábios nas faces que o caluniaram. Independentemente de ser rude ou sossegado, nervoso ou saciado, caiu-lhe em cima o peso da educação de uma liberdade desentendida.
A dona Felisbela encontra-se por detrás do balcão riscado pelos copos bebidos com vigor. Em frente à vitrina do seu tasco os carros circulam com a precaução oriunda da passadeira para peões.
Um polícia procura contra-ordenar os semblantes tristes e rebaixados. A ideia é clara e digna de qualquer político apalermado. Ora como o que não falta aqui é gente diferenciada pelos pensamentos leais e simples, após o slogan “Portugal veste mal” numa revista de turismo internacional a Associação Protectora da Beleza Humana recolheu as assinaturas necessárias para sancionar todos os que dotados da mínima quantidade de harmonia estética a escondem, privando assim toda a nação de apreciar a passagem de certas substâncias para o estado gasoso. Olha, se alguém tapasse o teu sol o coração não entristecia?
A multa faz-se sentir ao redor do polícia altivo. Os peões ajeitam o cabelo, escondem os casacos desbotados e os mais velhos levantam a corcunda com lembranças bem-vindas da sua juventude.
- A menina não sabe que o seu pescoço apresenta quatro traços necessários há exposição prolongada em via pública? Que o seu penteado está fora de qualquer ânsia de querer viver? Considerando o artigo do Código Civil relativo aos atentados à beleza nacional, tendo em conta o flamejante olhar que apresenta e os magnéticos brincos impelem-me a considerar a coima para metade.
A jovem, decidida a mudar, suspira apta a cumprir com o regulamento. Entre doze a dezasseis sessões de cabeleireiro com manicure e esteticista apropriada. Cinco horas de formação de adorno matinal e um vale mensal numa perfumaria à escolha.
O miúdo, com a mão da mãe na mão, reparou que o corpo gerador ao seu lado se endireitava e da sua boca escorrega agora um tom alegre, despreocupado da sordidez do dia de ontem.
A martelar no café, dentro do adulto revoltoso, ficaram os beijinhos da professora.

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