«Vais para a escolinha, vais? Só dás beijinhos
às meninas.», «E às professoras», «Ah… Pode ser!», retruca o adulto revoltoso.
O miúdo, desejoso de ser homem, caminha de
mão dada ao ser que o trouxe ao mundo. Nunca se sentiu desmotivado, não
estabelece objectivos para si e portanto nada o impede de atingir o que deseja.
A fome de dar beijinhos à professora vem de
dentro, ao contrário do adulto revoltado que não denuncia qualquer ânsia em
depor os seus lábios nas faces que o caluniaram. Independentemente de ser rude
ou sossegado, nervoso ou saciado, caiu-lhe em cima o peso da educação de uma
liberdade desentendida.
A dona Felisbela encontra-se por detrás do
balcão riscado pelos copos bebidos com vigor. Em frente à vitrina do seu tasco
os carros circulam com a precaução oriunda da passadeira para peões.
Um polícia procura contra-ordenar os
semblantes tristes e rebaixados. A ideia é clara e digna de qualquer político
apalermado. Ora como o que não falta aqui é gente diferenciada pelos
pensamentos leais e simples, após o slogan “Portugal veste mal” numa revista de
turismo internacional a Associação Protectora da Beleza Humana recolheu as
assinaturas necessárias para sancionar todos os que dotados da mínima
quantidade de harmonia estética a escondem, privando assim toda a nação de
apreciar a passagem de certas substâncias para o estado gasoso. Olha, se alguém
tapasse o teu sol o coração não entristecia?
A multa faz-se sentir ao redor do polícia
altivo. Os peões ajeitam o cabelo, escondem os casacos desbotados e os mais
velhos levantam a corcunda com lembranças bem-vindas da sua juventude.
- A menina não sabe que o seu pescoço
apresenta quatro traços necessários há exposição prolongada em via pública? Que
o seu penteado está fora de qualquer ânsia de querer viver? Considerando o
artigo do Código Civil relativo aos atentados à beleza nacional, tendo em conta
o flamejante olhar que apresenta e os magnéticos brincos impelem-me a
considerar a coima para metade.
A jovem, decidida a mudar, suspira apta a
cumprir com o regulamento. Entre doze a dezasseis sessões de cabeleireiro com
manicure e esteticista apropriada. Cinco horas de formação de adorno matinal e
um vale mensal numa perfumaria à escolha.
O miúdo, com a mão da mãe na mão, reparou
que o corpo gerador ao seu lado se endireitava e da sua boca escorrega agora um
tom alegre, despreocupado da sordidez do dia de ontem.
A martelar no café, dentro do adulto
revoltoso, ficaram os beijinhos da professora.
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