quinta-feira, 27 de setembro de 2018

VI. Propinas Arrombadas

Levei um sopapo. Uma flecha cultural galgou o muro do bom senso e cravou-se defeituosa no meu orçamento. Na Covilhã existem duas classes etárias dominantes. Há os velhos esculpidos na encosta da Serra da Estrela que acreditam nos bons costumes e há os forasteiros candidatos a licenciados na cultura, no trabalho e no lazer.

Os jovens daqui abalaram, abalaram sem mais nem menos e foram galhofar para outras bandas bem mais iluminadas. Fugiram quase todos, fugiram da pobreza, das más-línguas, do pensamento tacanho e fugiram também dos espólios do Salazar.

- Ficar aqui para quê? Não há mais nada de novo!

Há, claro que há mas é preciso virmos nós, os estudantes, com os nossos corpos atrás encher esta cidade de alegria, pintamos a cidade, a Serra e o céu com cores, gritos, mitos e sentimentos. E nada rebola por esta longa encosta fora.

Os idosos continuaram as vendas no mercado cá da terra, os outros, os estudantes, terão que pagar os nove meses que aqui passam. Parece lei de César para os ouvidos intimidados dos judeus mas não, século XXI, Europa na CEE, Portugal, Beira Interior, Covilhã.

Há irmãos no ensino público senhores políticos, há estudantes que vivem por si senhores professores doutores, há falta de emprego nas cidades universitárias e agora há também mais uma conta a pagar todos os meses, é quase como alugar mais um quarto ou respeitar a vida com um indesejado parto. Penso nisto e sinto um amargo no palato, um bafo de pimenta nas ventas, um espinho no mindinho, um herpes labial. E claro que já não há pobres nestes dias porque essa gente é invisível, transparente para as lentes mais graduadas. Mas eles são tantos, é isso que me admira.

Era partir a louça toda, para mim era partir a louça de tal forma que enxotasse de vez esse Salazar que nunca mais morre, enterrá-lo fundo enrolado em toda a falsidade, submissão e tolerância que permanece disfarçada. Pago o estudo numa sociedade onde é gratuito e agora pedem-me o dobro? Pilham-me assim deslocado do litoral das cidades com bons acessos para desembolsar o dobro?

O meu pai disse logo: «vens para Aveiro!», mas eu que sou um fraco, agarro-me aos locais, às pessoas e aos bichos e depois faço má figura, vim para aqui porque lá não havia o meu curso mas agora já há mas o problema é que há também uma inflamação no meu peito quando penso em desandar, uma diagnosticada adição à verdadeira primavera, ao verdadeiro ar e ao descansar dos olhos nestas encostas derretidas.

Digam, digam de uma vez por todas que é por isso que eu pago o tanto, que é por causa da praia estar gasta e em desuso que estudar na Serra da Estrela assim custa mas também se ninguém me disser penso eu nisto, dez, vinte ou trinta vezes se for preciso, até conseguir acreditar, assim pode ser que consiga olhar os culpados de frente nem que seja por dois segundos antes de me retirar lânguido a fugir de propósito da hipocrisia que esta sociedade vomita em anúncios de TV.

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