segunda-feira, 26 de novembro de 2018

XIX. Uma semana para estabilizar a morte - Covilhã Viperina

Suspenso na minha vida continuei a olhá-la de frente como nunca o tinha feito. Embati nela e ela embateu em mim num conflito desigual.

Uma semana que passou ligeira como um passeio à beira-mar. Passo antepasso, não deixei de ver o Sol com todo o seu fulgor reiterado mas senti seixos bicudos nos meus pés descalços, podia calçar-me, podia ficar insensível ao fim por quase todos aceite e podia também caluniar esta pedra colada ao fecho de toda a vida sentida. Aceitei este pensamento fúnebre como faço com a totalidade do que como. Ele entrou pelos meus sentidos e tal como pão depois de mastigado passou a fazer parte de todos os sopros que me fazem levantar pela manhã, mas de um modo diferente. O sistema digestivo dado a toda a vida fecundada não funciona com sentimentos provocados pelos protestos de quem os vive e por isso foi forçado a estimular a construção de um outro. Arquitetei um sistema de assimilação para todos os percalços que surgem nas esferas humanas que se enrolam em mim. Acordei vezes sem conta indisposto pelo azedume do amor malcomido, outras tantas com os músculos tensos pela falta de atenção e nesta semana de protesto tenho acordado sem os impulsos normais que fazem sorrir os olhos dos corpos que despertam.

Ora a comida é mastigada várias vezes antes de descer às cavernas estomacais, mas os segundos que ocupo com a normal salivação nada têm a haver com os sete dias que já levo nesta trituração.

A morte abalroou-me, mas está perto do seu ponto correto. Uma batata ou qualquer pedaço de broa mal mastigada empurra para o estômago desdentado o trabalho que a boca preguiçosa descartou, depois surge a agrura num presságio de indisposição.

Essa noite que me enfraqueceu já se encontra morta e consertada. Pontos bem examinados e consequências aceites para uma assimilação consentida, aguardo agora a sua junção a um líquido alcalino.

É aqui que me demoro como um empregado muito mal pago, falta uma ideia suculenta para não desferir tudo assim no meu entendimento. Está seco este bolo mortuário. Quero estar certo do químico a utilizar em todas as sopas que descem por mim abaixo. Incompleto organismo este que anda comigo por todo o lado.
06 de Abril de 2004


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