sexta-feira, 10 de maio de 2019

Vem Aí o Verão de São Martinho - farolas heleno pinhal


Só agora percebi o que ontem à noite senti. Na presença das minhas almofadas e nos confins dos meus devaneios desempenhava o papel de sonhador vago, quando me veio à baila um antigo acordar enigmático.
Infantil ou não, com o meu julgar nato, olhava a linha quebrada na tinta do tecto que me viu crescer e num dia qualquer apareceu rachado pelo peso do tempo, tal e qual a face das pessoas, compreendo eu agora.
Verão de são martinho - farolas helenopinhal.blogspot.com
Naqueles dias, acordava com um ar pórtico. Desobstruía-se rapidamente o amargo matinal e saltava da cama cheio de vontade de tirar o pijama. O sol batia de chofre, tanto no quarto como na varanda, mas eu queria era o ar das ruas, que com o sol a crescer denunciava um dia periclitante para o mundo. Sim! Porque se por um lado sei perfeitamente que nesses dias pinto tudo com cores airosas, também sei que intimido a sua segurança.
Mas o que eu quero registar, é o meu julgar pueril, porque se alguém já o sentiu, o que tenho a certeza que sim, se o catalogou ou não, decerto não o fez assim.
Estava já na cama e algo vinha do meu estômago vazio. Sabia que havia pessoas lá fora, umas à minha espera e outras não. Sabia que aquele momento já me tinha ocorrido e sabia também que se ficasse ali esparramado fartava-me e portanto tinha de me pôr em andamento. Mas eu que sabia a hora de me levantar. Não havia caras esfumadas pelos resíduos do sono à minha espera. O arejo do meu lar não permitia tais odores, os gostos de vida eram tantos que nunca havia tempo para mórbidos encantos.
Eu lá estava, na cama quente a pensar naquela emoção. O que mais me intrigava era o porquê de não sentir aquilo sempre. Tinha adormecido como de costume sem saber em que pensamento tinha parado, no entanto, umas vezes acordava assim, luminoso, sonhador e assombrado outras vezes cheio de sono, sem fome e até um nadinha irritado.
Como ninguém respondia, olhava mais uma vez a linha quebrada na tinta do tecto. Aquele tecto que me viu crescer e, como já disse, num dia qualquer apareceu rachado pelo peso do tempo. É mesmo tal e qual a face das pessoas, compreendo ainda melhor agora.
Naqueles dias aquilo passava mas mais cedo ou mais tarde voltava. Ontem também voltou, não havia o sol na janela nem aquele tecto rachado que me viu crescer, mas haviam mais fendas pequeninas na face duma pessoa que conheço.
Foi então que alguém afirmou que a semana ia estar de sol, porque era altura do sol de São Martinho. Emendei logo, com uma lembrança de alguém antigo:
- É o Verão de São Martinho! A altura das fendas, iguais às que sempre sinto.
Verão de são martinho - farolas helenopinhal.blogspot.com


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